Conversamos com as pesquisadoras Carolina Tonussi e Izabela Domingues para entender melhor esses dois mecanismos amplamente utilizados para limpar a imagem das empresas.
Por: Ana Ferrari
Não é de agora que empresas utilizam mecanismos psicológicos e neurológicos para induzir ao consumo de seus produtos ou serviços. O uso desses recursos é observado seja pelo uso da psicologia das cores— estudo que busca compreender como as cores influenciam no comportamento humano— para a venda de lanches por famosas redes de fast-food, ou pelos comerciais que induzem as crianças a comprarem tal brinquedo para que as outras crianças brinquem com ela ou até mesmo o uso de perfumes nas lojas para torná-las ambientes acolhedores e aumentar o tempo em que o cliente fica no seu interior. Há também de se ressaltar a estratégia de utilizar algumas associações e memórias obtidas na infância e adolescência para angariar público. Esses mecanismos podem ser enquadrados na prática de Brandwashing.
Derivado do termo Brainwashing, o conceito de brandwashing trata das estratégias empregadas pelo marketing para nos direcionar a escolher o que compraremos ou não a partir de diversos truques psicológicos que se utilizam de características dos consumidores como medos, desejos e sonhos, algo apresentado pelo livro “Brandwashed – O lado escuro do Marketing”, de Martin Lindstrom. Além do brandwashing, temos o greenwashing, que utiliza-se da pauta sustentável para vender os produtos, taxando-os como eco-friendly; e o causewashing, que pega carona na militância de pautas importantes para trazer atenção para o produto que se pretende vender.
Assim, as marcas escolhem uma pauta social para apoiar e criar a imagem de “ser uma empresa socialmente responsável”, criando grande simpatia no público, vide que a responsabilidade social das empresas se tornou um fator essencial para as vendas a partir dos anos 70, como é apontado pelo Rockcontent, mesma época em que surgiu o Marketing Social, difundido por Philip Kotler e Gerald Zaltman ao perceber que o essa área poderia ajudar a resolver alguns problemas sociais. Com o tempo, a preocupação social cresceu ainda mais e agora, em um contexto em que diversas pautas sociais têm sido levantadas, os valores das empresas tornaram-se fatores determinantes para convencer o público a comprar da marca em questão.
Sobre isso, Izabela Domingues, professora da Universidade Federal de Pernambuco, na pós em comunicação (PPGCOM-UFPE) e no núcleo de design e comunicação, no campus do agreste; expõe que “há uma transformação social que vem exigindo das empresas novas posturas, novas condutas e novas práticas. Essa é uma realidade que tem se imposto diante de um entendimento que veio com a internet nos últimos 25 anos, que fez com que a gente acessasse uma série de informações, de conteúdos, especialmente com a entrada das redes sociais em nosso cotidiano e que fez com que a gente, na condição de consumidor e na condição de cidadão, diante dessa imbricação de que o exercício da cidadania se dá muito pelo consumo trazida por Canclini como inevitável no contemporâneo e que é inevitável que nós como sociedade não exijamos novas posturas das empresas.”
“Essa preocupação de escutar o público com quem você vai falar pra ver se realmente está o representado é super importante, principalmente hoje, que por conta de internet e redes sociais, nós como consumidores e cidadãos somos muito mais participativos, muito mais exigentes, nos tornamos muito mais críticos em relação ao que chega na gente e estabelecemos um diálogo maior com as marcas.”, expõe Carolina Tonussi, publicitária, gerente de pesquisa quantitativa no instituto Locomotiva e pesquisadora com foco em mercado e representatividade:
Apesar dessa representatividade aparecer frequentemente nas campanhas de publicidade, percebe-se que muitas vezes o discurso da empresa que a produziu não bate com as suas estruturas internas e valores, ou está sendo usado apenas para limpar a imagem da marca após algum escândalo.
Um caso famoso de causewashing que pode ser citado é o da Nubank em 2020, que, para reparar o estrago feito pela afirmação racista de sua co-fundadora, Cristina Junqueira, no programa Roda Viva, da TV Cultura. A empresária afirmu que era difícil contratar “candidatos negro adequados para as exigências das vagas na empresa” e, quando questionada pela jornalista Angelica Mari, da Forbes Brasil, que também participava do programa; se esse alto nível de exigência não barrava a participação de minorias, ela disse não querer “nivelar a empresa por baixo” e que a empresa criara “um programa gratuito, que chama diversidados, que vamos ensinar ciência de dados para pessoas que querem entrar nisso” para capacitar as pessoas, como consta no portal Hypness.
A fala sobre nivelamento da diretora repercutiu muito e trouxe questionamentos sobre o discurso da empresa ter sido criada com um discurso de inclusividade e diversidade. Logo após, houve uma remodelação da empresa e uma promessa de reparação histórica.
Porém, o que este caso traz é uma questão bastante importante: até onde as medidas tomadas nestes casos são legítimas e geram alguma mudança e até onde são apenas para “limpar a barra”. E para que haja credibilidade nas ações das empresas é importante que elas tragam soluções realmente eficientes e inovadoras, pensadas por indivíduos diversos. Sobre isso, Izabela reflete que a mudança não deve vir apenas na comunicação, que é, em suas palavras, a ponta de contato com o público; mas sim em toda a estrutura da empresa.
“A ponta da comunicação vai justamente levar para os públicos estratégicos e para a sociedade como um todo o que está brotando dentro dessa organização, que precisa ser cada vez mais verdadeiro porque estamos vivendo na sociedade da transparência, né tem sempre um smartphone para capturar alguma coisa, tem sempre um print de 10 anos atrás, que mostra que existe outra verdade que está sendo encoberta e nós da comunicação. Na verdade devemos comunicar essa transformação, desse procedimento, desse seu propósito, dessa mudança de valores, da sua missão para que transborde do core do negócio para que se transborde para aqueles que acompanham a marca.”
Representatividade de dentro para fora
Para evitar gafes e a reprodução de estereótipos, de uma superficialidade nas campanhas, a diversidade nas equipes é um elemento essencial, pois com pessoas distintas em um grupo, há maior diversidade de pensamento e ideias mais originais para atrair os mais diferentes indivíduos.
De acordo Izabela Domigues, ter representatividade na equipe faz parte do tripé da gestão de marca apresentado no livro que escreveu em conjunto a professora Ana Paula Miranda, “Consumo de Ativismo”. Este tripé é calçado na imagem, discurso e ações coerentes, algo que pode ser melhor pensado em uma empresa que contam com um time diverso.
“Talvez esse seja um ponto que deva estar a cada vez mais no radar das agências de publicidade, dos gestores de marketing e comunicação, que é trazer as pessoas que vão ser ali representadas efetivamente para as equipes, para os brainstormings, para esse workshop de co-criação, assim na verdade a gente não fique fazendo a cosmética da inclusão, mas que de fato as demandas, os olhares e a própria construção seja feita junto com os públicos que sejam efetivamente representados e para os quais aquela comunicação será endereçada, mas também para a sociedade como um todo.”, diz ela.
Em relação ao ponto de que deve haver um discurso coerente, segundo Carolina Tonussi é importante que a diretoria da empresa sustente o posicionamento de campanhas voltadas à diversidade que tragam polêmicas pelo público conservador, mesmo que haja certa perda econômica.
“Quando a liderança suporta um posicionamento mesmo que haja uma queda de vendas no curto prazo, enfim quando está todo mundo concordando e existe essa consistência, aí a comunicação vai pra frente, porque você tem um alinhamento de tudo, na prática e no discurso, então eu acho que a ideia pode vir de várias frentes e por isso que é tão importante escutar todas as partes interessadas, né: a comunidade, os consumidores, os funcionários e é importante ter a coerência.”, afirmou ela.
Logo, a inserção dessa diversidade na estrutura das empresas traz uma credibilidade para que não pareça que a empresa só a utiliza para conseguir os holofotes, mas que ela está organicamente inserida nelas e também entender o que cada público alvo, com suas particularidades, valoriza nas campanhas. Segundo Izabela, esse aspecto traz as inovações necessárias para as empresas.
“A cada vez mais se discute que no campo da inovação, a diversidade é muito importante, porque se não, teremos apenas os mesmos olhares e perspectivas, gerando assim uma repetição do que já é conhecido (…) E já vemos empresas que trabalham para consumo massivo, como por exemplo a ambev, investindo fortemente nos princípios da diversidade, pluralidade e da representatividade para a gestão de seus negócios. É importante trabalhar cada vez mais nos chamados ‘squads’ para ter o que é diferente e também ofertar entregas e diferenciais competitivos para nossos públicos.”