Os consumidores contemporâneos têm um perfil cada vez mais engajado em causas sociais e transparente nas ideologias, e essa demanda se projeta nas marcas. Os compradores querem saber de que lugar a marca fala e que ideais ela defende. Uma pesquisa da consultoria Edelman Earned Brand, divulgada no início de novembro, revela que 56% dos brasileiros dizem consumir ou boicotar marcas de acordo com o posicionamento público delas diante de questões sociais relevantes.

Estas marcas estão de fato comprometidas com bandeiras sociais ou estão usando a comunicação de forma instrumental para conquistar consumidores? Estes valores reverberam para as práticas e vão além dos conteúdos? As causas comunicadas se convertem em “ações práticas” ancoradas em valores da marca? Construir essa coerência interna também é um processo de comunicação? 

Neste especial, a Communicare mergulhou no universo do brandwashing (isto é, quando marcas usam causas sociais mas não as colocam em prática), para entender as ações destas empresas pela perspectiva da Comunicação. 

Em um mundo em rede, as empresas precisam cada vez mais entender o que importa para seus públicos, para se posicionarem diante de todo tipo de situação. “É vital ser uma marca coerente com o discurso, porque os consumidores, no contemporâneo, têm acesso a informações e não são facilmente enganados”, afirma Ana Paula de Miranda, professora e pesquisadora da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da UFRJ e autora dos livros “Consumo de Ativismo” e “Consumo de Moda”. 
Para ela, o causewashing, quando uma marca se apropria de lutas que ela não defende na prática, “funciona como um pedido de desculpas com atos além de palavras”. Como exemplo, ela conta que “a SPFW  foi acusada de práticas racistas por modelos ativistas”.

“O público precisa averiguar se as pautas são preocupações reais da empresa ou apenas de fachada”. Entrevista com Ana Paula de Miranda

Brandwashing, causewashing, greenwashing, diversity washing… são todos termos atribuídos a estas ações de adesão a causas, quando são de “fachada”. 
A Professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCom) e no núcleo de Design e Comunicação, Izabela Domingues debate a representatividade dentro das marcas. Para ela, “há uma transformação social que vem exigindo das empresas novas posturas”, mas os casos e os interesses por trás são particulares de cada caso. Por outro lado, Izabela relembra que “o público consumidor não é um monolito”, ou seja, é heterogêneo e constituído por perfis múltiplos. Além disso, ela pensa que “é importante que as empresas tragam a mudança não somente no discurso, mas também nas práticas”.

A publicitária Carolina Tonussi, mestra em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero e Consultora de Pesquisa e Mercado explica que a representatividade nas marcas “sempre foi uma inquietação”. Para ela, “escutar com quem você vai falar para ver se realmente você está representando esse público é super importante”. Carol acredita que o público consumidor vem se tornando mais crítico e participativo, o que implica num diálogo mais próximo com as empresas. Ela acrescenta que ações afirmativas podem não solucionar um problema estrutural, mas geram debate e inspiração para que outras marcas repensem sua cultura interna.

Brandwashing e causewashing: quando marcas utilizam a persuasão para garantir espaço no mercado e se defender de polêmicas 

Bianca Dreyer, professora de Relações Públicas na Faculdade Cásper Líbero, pesquisadora e autora do livro “Teoria e prática das relações públicas” fala sobre o caso do BBB21, a edição mais longa da história do reality e também aquela com mais patrocinadores, o que implica em questionamentos delicados para a marca e para os patrocinados, de acordo com a professora. Como exemplo, ela cita o caso da marca de cosméticos Avon. “Qual foi o maior objetivo da Avon com isso? Ganhar audiência. Agora, se o resultado realmente foi positivo ou foi como a marca esperava, é outra questão”. Para ela, quando os participantes agem de forma contrária ao que o público acredita ser adequado, a frustração é projetada também nas marcas patrocinadoras.

4 livros para entender a relação entre público e marca na era dos influenciadores, por Bianca Dreyer

Thalita Gelenske, CEO da Blend Edu, startup de estímulo à inclusão no mercado brasileiro, explica que o incentivo à diversidade superficial nas empresas, conhecido como “diversity washing”, é marcado por uma cultura que se limita a propagandas e publicações nas redes sociais sem se preocupar com mudanças internas ou discussões mais aprofundadas. “Se fosse para definir, existem as marcas que têm bastante maturidade e consistência interna, algumas que querem ter, mas estão perdidas no caminho, as neutras e as que praticam o diversity washing. Eu diria que as neutras são a maioria, mas eu vejo um movimento grande para criar e consolidar uma cultura mais igualitária dentro das empresas”, afirma.

De fora para dentro: a diversidade nas empresas é “pra ontem”. Empresas que fazem Diversity washing são minoria e o processo de inclusão é o primeiro passo para uma sociedade mais autônoma, em que cada um faça sua parte da melhor maneira possível.

Alessandra Silva Vasconcelos conta o que é o ESG (Environmental, Social and Governance) e como as empresas estão migrando de um paradigma de desenvolvimento econômico focado no lucro para um paradigma de capitalismo de stakeholders. “Não existe mais espaço para um capitalismo parasitário, As empresas passaram a assumir compromissos que vão além do lucro, desenvolvendo junto a seus públicos, por meio da comunicação, o capitalismo de stakeholders. De forma resumida, isso quer dizer que a empresa dialoga com diferentes públicos para atender todos que impactam ou são impactados por seu negócio, oferecendo um valor compartilhado, um propósito da empresa em relação à sociedade. Este compromisso em geral envolve compromissos sociais, éticos, morais e demonstram o papel daquela empresa no enfrentamento destes desafios”, explica Alessandra. Ela ocupou posições de gestão nas áreas de comunicação corporativa, branding e sustentabilidade em empresas multinacionais, liderando projetos de posicionamento de marca, imagem e reputação, cultura corporativa e relacionamento com stakeholders. Mestra em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, ela realizou uma investigação sobre o caso da AMBEV. 

Renato Souza, Gerente sênior em Responsible Business da PWC, aborda as políticas internas de diversidade na empresa, que é considerada case de sucesso em estratégias para incentivar a diversidade em ambiente corporativo. “A PwC tem uma série de atividades para trabalhar a parte de cultura, atitudes de política organizacional e que a gente entende como políticas afirmativas, porque é quando você coloca um tema para debate. Durante a pandemia, todas as atividades que fizemos em relação à diversidade, nós colocamos para fora, ou seja, fizemos slides e palestras e colocamos para o público”.

As pesquisadoras Laís Amaral, especialista em Alimento do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), e Camila Maranha, nutricionista da Aliança de Controle do Tabagismo (ACT) e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) falam sobre o fenômeno na indústria alimentícia. Em meio à dificuldade de acesso e compra de alimentos, as empresas intensificaram as propagandas de ultraprocessados através da promoção de ações de solidariedade com marketing agressivo (estratégia conhecida como nutri-washing), da realização de atividades filantrópicas que não necessariamente se refletem nas discussões sobre políticas de alimentação saudável e da doação de produtos a populações mais vulneráveis, extremamente afetadas por padrões inadequados de alimentação. “Temos identificado cada vez mais o envolvimento das empresas – de uma maneira geral, mas também no caso das alimentícias – em causas que estão em alta no momento. O que a gente nota é que, como a opinião pública está se mobilizando por esses temas, as empresas capturam isso. Elas entram na onda”, explica Camila. ”O interesse pelo lucro vem na frente da saúde pública, do direito do consumidor e da alimentação saudável”, afirma Laís.

Indústria alimentícia: por trás da embalagem. Entrevista com Laís Amaral (IDEC) e Camila Maranha (UFF).

Para saber mais: CONVERSAS COMMUNICARE

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Entrevista com Mylene Mizrahi, Professora Assistente do Departamento de Educação da PUC-Rio, coordenadora do Estetipop (Laboratório em Estéticas, Cultura Pop e Antropologia).

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